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sábado, 7 de janeiro de 2012

Úlceras

História e exame físico. Os utentes com úlceras venosas habitualmente queixam-se de dor e inchaço
nas pernas. Os sintomas muitas vezes acentuam-se no final do dia, exacerbando-se quando a perna
está pendente e aliviando com a elevação da mesma. O utente pode ter antecedentes de trombose
venosa profunda ou traumatismo local. A maior parte das úlceras venosas localizam-se na chamada
área da polaina/perneira, cerca de 2.5 cm abaixo do maléolo até ao ponto em que o musculo gemelar
se torna posteriormente proeminente. Os indivíduos com úlceras venosas apresentam habitualmente
úlceras com bordos encovados e arredondados, exsudado abundante, dor na perna, veias varicosas,
hiperpigmentação e lipodermatoesclerose na pele adjacente. Sinais e sintomas que facilmente
conduzem a um diagnóstico de doença venosa (Quadro 2). Contudo, a importância e limitações do
exame clínico foram reforçadas por Neizen et al em 1994 (citado por Haves, 1996), que argumentou
que a precisão do diagnóstico de úlcera venosa requer não só uma boa observação clínica mas
também outros procedimentos que forneçam dados fiáveis sobre a avaliação hemodinâmica da
circulação venosa. Para confirmar a doença venosa tem sido sugerido a realização de outros exmaes
como o rastreio com eco-doppler dos membros inferiores e a pletismografia (Stacey et al, 2002).
Quadro 2 – Sinais e sintomas clínicos de insuficiência venosa
Hiperpigmentação – extravasamento de glóbulos vermelhos para o espaço intersticial que se
depositam sob a forma de hemosidrina
Veias perimaleolares dilatadas – descrevem a dilatação das venulas intradermicas, habitualmente
visíveis no tornozelo
Veias varicosas - habitualmente proeminentemente dilatadas
Edema – é causado pelo aumento da pressão venosa nas veias varicosas com extravasamento
de plasma e hemosidrina. Pode ser acompanhado de linfedema
Eczema varicoso – extravasamento de enzimas proteoliticas irrtantes, hemosidrina e outros
produtos degradados
Atrofia Branca – áreas não vascularizadas de tecido branco com manchas rosadas resultantes
da dilatação dos capilares. Pele fina e muito dolorosa ao toque
Lipodermatoesclerose - rigidez e fibrose da derme e tecido subcutâneo
Dor – sensação de peso e prurido, aliviado com a elevação da perna, exercício ou compressão
Tratamento
Compressão. A adequada compressão da perna é essencial na cicatrização da úlcera venosa
(Alexander House Group, 1992). A revisão sistemática realizada por Fletcher et al em 1997 (citado
por Edwards, 1998) demonstrou que a compressão aumenta a cicatrização das úlceras em comparação
com a não compressão. Nesta revisão, os autores concluíram não existirem diferenças na efectividade
dos diferentes tipos de sistemas de compressão disponíveis. É indubitável que a compressão forte
é mais eficaz do que a compressão fraca em úlceras sem compromisso arterial.Actualmente existe
uma grande variedade de dispositivos de compressão, desde o sistema de ligaduras de curta tracção,
longa tracção, quatro camadas, meias de compressão graduada, até dispositivos tipo bombas de
compressão. Os objectivos do tratamento compressivo são reduzir a pressão venosa no sistema
superficial; facilitar o retorno venoso do sangue até ao coração aumentando a velocidade do fluxo
nas veias profundas e diminuir o edema reduzindo o diferencial de pressões entre os capilares e os
tecidos.
Basicamente podemos dividir as ligaduras de compressão em dois tipos, ligaduras de longa tracção
(elásticas) e ligaduras de curta tracção (não elásticas). As ligaduras de longa tracção são feitas de
fibras elásticas e fornecem uma compressão que se mantêm ao longo de um determinado período
de tempo. Isto significa que a compressão é exercida durante o exercício e repouso. Estas ligaduras
são reutilizáveis e são classificadas como ligaduras de classe 3c (Quadro 3). As ligaduras de curta
tracção são 100% algodão, são rijas e não têm elasticidade. Estas não se distendem aquando da
contracção do músculo gemelar, estando o conceito destas ligaduras dependente da mobilidade do
indivíduo. Quando o indivíduo está em repouso, é exercida uma pressão sub-ligadura fraca. Durante
o exercício o músculo gemelar contrai-se contra a ligadura causando um aumento da pressão subligadura.
Ligaduras de quatro camadas. Este sistema é muito popular no Reino Unido. O princípio das quatro
camadas é que ao aplicar uma acumulação de camadas recorrendo a ligaduras mais fracas, a pressão
exercida aumente gradualmente (lei de Laplace). As ligaduras que integram este sistema têm diferentes
propriedades e em conjunto fornecem cerca de 40mmHg no tornozelo, que decresce até 17mmHg
no joelho (Moffatt e Dickson, 1993).
Independentemente do tipo de sistema de compressão eleito, a eficácia do mesmo depende da
efectividade clínica, escolha e colaboração do utente, protocolos e guidelines locais, disponibilidade
de recursos e da destreza na técnica de aplicação.
Quadro 3 – Classificação das ligaduras de compressão (Thomas 1990)
(circunferência de tornozelo 18-30cm)
Classe 3a
Compressão ligeira
14-17 mmHg no tornozelo
Classe 3b
Compressão moderada
18-24 mmHg no tornozelo
Classe 3c
Compressão forte
25-35 mmHg no tornozelo
Classe 3d
Compressão extra forte
Superior a 60mmHg no tornozelo
A compressão assume uma importância major no tratamento conservativo das úlceras venosas mas
é apenas uma das faces de abordagem deste problema multifactorial e que requer uma abordagem
multidisciplinar. É igualmente necessário tratar a úlcera (ver princípios locais de tratamento da úlcera)
bem como rastrear eventuais factores passíveis de atrasar ou comprometer a cicatrização,
nomeadamente limitação da mobilidade, desnutrição, obesidade e problemas dermatológicos. Alguns
indivíduos podem ainda apresentar critérios para cirurgia das veias, no entanto não foram encontradas
evidências suficientes sobre os efeitos da cirurgia na cicatrização das úlceras venosas (Nelson et
al,1999).
Úlceras arteriais
Fisiopatologia. A doença subjacente é maioritariamente a aterosclerose. É uma doença infamatória
e degenerativa dos grandes vasos, onde se acumulam placas de colesterol, células e tecidos
degradados, estreitando progressivamente o lumen do vaso. Está associada ao tabagismo, hipertensão,
hiperlipidémia e diabetes (Vowden e Vowden, 1996a). Embora não substancialmente provadas as
principais teorias que explicam o mecanismo que conduz à aterosclerose é a teoria dos lípidos
desenvolvida por Wissler em 1983 e a teoria da hipótese de lesão desenvolvida por Ross em 1986.
Outras causas de úlceras arteriais incluem embolismo arterial, doença de Raynauds, traumatismo
ou frio.
História e exame físico. Os indivíduos com úlceras arteriais têm habitualmente mais de 45 anos,
apresentam história de claudicação intermitente que evolui para isquémia critica com o agravamento
da doença. Ao contrário dos indivíduos com úlceras resultantes de insuficiência venosa, estes referem
dor nas pernas em descanso ou dor intensa na úlcera. A dor pode acentuar-se quando é elevada a
perna e diminuir quando esta está pendente. As úlceras arteriais surgem frequentemente em
consequência de um pequeno traumatismo e ocorrem sobre as proeminências ósseas. Nestas
situações é frequente o leito da úlcera encontrar-se bem demarcado com tecido necrosado. Achados
associados incluem pulsos periféricos fracos ou ausentes, tempo de enchimento capilar prolongado,
palidez do membro aquando da elevação do mesmo, rubor, perda dos folículos pilosos e unhas
espessas (Quadro 4).
Quadro 4 – Sinais e sintomas clínicos de insuficiência arterial.
Perda pulsos periféricos - fracos ou ausentes
Deficiente tempo de enchimento capilar – demora no retorno da coloração após aplicação de
pressão no leito das unhas
Pele fria, brilhante e com diminuição dos folículos pilosos – devido à fraca perfusão periférica
Perda de tecido subcutâneo – fraca perfusão e diminuição do exxercicio muscular por limitação
funcional da perna
Gangrena do pé ou dedos- muitas vezes em resposta ao traumatismo.
Dor – claudicação intermitente/dor em repouso
A úlcera arterial apresenta-se como uma ferida circular profunda habitualmente localizada no pé. A
doença arterial na perna pode ser clinicamente avaliada através da observação da perna, incluindo
a palpação dos pulsos ou através da utilização de uma medição objectiva do índice de pressão
tornozelo/braço (IPTB) com recurso a um Doppler manual.
O Doppler foi inicialmente descrito por Christian Doppler (Herbert, 1997) e Cornwall (1983) foi o
primeiro a sugerir a utilização da avaliação por doppler em utentes com úlceras de perna (citado por
Vowden e Vowden, 2001). O doppler calcula o índice de pressão tornozelo braço (IPTB), isto é,
compara a tensão sistólica braquial com a tensão sistólica do tornozelo e determina se existe doença
arterial significativa no membro inferior. Se houver doença arterial então o aporte sanguineo está
reduzido na membro inferior. Consequentemente se a compressão for utilizada de forma inapropriada
pode conduzir a situações iatrogénicas (Vowden e Vowden, 1996b). De acordo com Williams et al
(citado por Moffatt e O´Hare, 1994), a utilização do doppler manual é considerado um instrumento
vital na avaliação e diagnóstico de úlceras de perna (tanto arteriais como venosas). Mas a pressão
no tornozelo isolada não é suficiente para detectar a presença de compromisso (Moffatt e O´Hare,
1995); deve ser usado em conjunto com a história clínica completa.
Num estudo conduzido na comunidade de Riverside foram avaliados 462 utentes com um total 533
úlceras. Inicialmente os enfermeiros da comunidade palpavam os pulsos, seguido de uma avaliação
com doppler efectuada por um enfermeiro experiente. Do total da amostra, 31% das pernas ulceradas
não tinham pulsos palpáveis enquanto 17% tinham um IPTB <0.9. A sensibilidade da ausência de
pulsos como factor predictivo de doença arterial foi de 63%, a especificidade foi de 75%, com um
valor positivo de predictibilidade de apenas 35% e um valor negativo de predictibilidade de 91%.
Segundo os resultados obtidos palpar isoladamente os pulsos implicaria 37% dos utentes a serem
inadequadamente tratados no que respeita à sua úlcera.
Yao et al (1986) compararam a precisão do exame com doppler com a palpação dos pulsos e
verificaram que em 136 pernas com ausência de pulsos, apenas 14 não apresentavam sinal de
compromisso arterial com o doppler (citado por Vowden and Vowden, 2001).
Tratamento
Na presença de um indivíduo com úlcera arterial, este deve ser referenciado para a cirurgia vascular
para ser avaliado e eventualmente realizar-se uma re-vascularização por angioplastia ou cirurgia por
bypass. É ainda prioritário o controlo sintomático, particularmente no que e respeita à dor. O
desbridamento pode estar contra indicado mas deve-se recorrer ao material de penso de acordo com
os princípios locais de tratamento de úlceras.
Por último é importante trabalhar os factores de risco associados, como a hipertensão, diabetes e
hiperlipidémia. Os indivíduos com doença arterial não estão indicados para a terapia compressiva.

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